terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Battisti na Itália, uma vitória com gosto de frustração para Bolsonaro


A repatriação à Itália do militante de extrema esquerda Cesare Battisti
A captura e repatriação para a Itália do ex-militante de extrema esquerda Cesare Battisti foi celebrada com os tuítes triunfalistas dos governos de ultradireita de Roma e Brasília, mas o que se apresentava como uma vitória clara de Jair Bolsonaro acabou com gosto de frustração, segundo analistas.

Bolsonaro pretendia aparecer como o responsável pela entrega às autoridades italianas de alguém a quem definiu como "bandido travestido de refugiado político". Ele o teria prometido durante a campanha e reiterado em várias ocasiões, mas no domingo só conseguiu se limitar a cumprimentar pelo Twitter os responsáveis por sua captura.

Assegurou que finalmente "se fará justiça", embora em suas mensagens não tenha feito nenhuma menção às autoridades bolivianas.

Cesare Battisti ser capturado em um país andino, depois de burlar com facilidade a Polícia brasileira com meio mundo olhando, era um revés que não estava previsto.

Ainda mais difícil, levando em conta que a Bolívia é governada desde 2006 pelo esquerdista Evo Morales, que sempre manteve uma relação próxima com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), odiado por Bolsonaro e hoje preso por corrupção.

Battisti, de 64 anos, foi julgado à revelia na Itália em 1993 e condenado à prisão perpétua por quatro homicídios, que ele nega, no fim de 1970. Viveu 15 anos na França e estava no Brasil desde 2004.

- Sem a foto -

"O caso Battisti é um vexame total", avaliou o editorialista Leandro Colon nesta segunda-feira, no jornal Folha de S. Paulo.

"Depois de abrigar um terrorista, o Brasil não impediu sua fuga do país e ainda teve de engolir a expulsão pelo vizinho. Um vexame completo", acrescentou.

Para Gaspard Estrada, especialista em América Latina da faculdade Sciences Po de Paris, esta vitória não foi mérito das autoridades brasileiras, mas das bolivianas.

"É, de certa forma, uma oportunidade perdida para Bolsonaro, que ficou sem a foto de Battisti em território brasileiro", acrescentou.

O governo do capitão da reserva tentou até o fim que o ex-ativista passasse pelo Brasil antes de embarcar para Roma.

Tanto que inclusive o influente ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, chegou a anunciar ao meio-dia de domingo que um avião da Polícia Federal havia partido rumo a Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, para buscar o foragido e trazê-lo ao Brasil, antes de sua extradição para a Itália.

Mas, pouco depois, os governos de Itália e Bolívia anunciaram que o italiano partiria diretamente para Roma.

Brasília só se manifestou novamente horas depois, pouco antes de Battisti deixar a Bolívia, indicando que o importante era que Cesare Battisti respondesse pelos graves crimes que cometeu.

Para o jornal O Estado de S. Paulo, esta viagem sem escalas representou uma frustração para Bolsonaro, que desejava cumprir sua promessa de campanha, entregando Battisti aos italianos.

Uma das hipóteses que o governo brasileiro chegou a cogitar era que o ex-militante passasse por Brasília, onde Bolsonaro celebrou sua cerimônia de posse há menos de duas semanas.

"O governo italiano buscou evitar qualquer passagem de Battisti pelo território brasileiro", explicou Gaspard Estrada. "Quis repatriá-lo o mais rápido possível para evitar qualquer problema em território brasileiro no plano político ou jurídico que impedisse uma extradição".

- "Presente" -

O Palácio do Planalto ressaltou em um comunicado que o homem forte do governo italiano, o ministro do Interior, Matteo Salvini, telefonou nesta segunda-feira para Bolsonaro para agradecer-lhe por seu empenho no caso Battisti, ressaltando que "sem a intervenção do presidente Bolsonaro, a extradição não teria se concretizado".

Embora, tecnicamente, tenha sido seu antecessor, Michel Temer, que assinou a extradição há um mês, a eleição de Bolsonaro, em outubro, foi a reviravolta política definitiva para o processo do ex-ativista italiano.

Em 2010, Cesare Battisti se beneficiou de uma decisão do então presidente Lula, que bloqueou sua extradição no último dia de seu segundo mandato, apesar de ter sido autorizada pelo Supremo Tribunal Federal.

Jair Bolsonaro não deixou de repetir desde a campanha a intenção de entregá-lo às autoridades italianas, até que um juiz dessa mesma corte acabou determinando a prisão de Battisti em 13 de dezembro. No dia seguinte, Temer assinou a ordem de extradição.

Apesar de tudo, o presente que Eduardo Bolsonaro, filho do presidente e deputado federal, prometeu a Salvini via Twitter, acabou escapando entre os dedos das autoridades brasileiras.

Um artigo da Folha de S. Paulo detalhou como o especialista em fugas Cesare Battisti "driblou" durante um mês a Polícia, que esteve procurando-o em diferentes pontos do país, inclusive em embaixadas e em um barco na Amazônia.

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