terça-feira, 25 de dezembro de 2018

O que é o mundo desconhecido das ONGs, escreve Maria Thereza Pedroso

São diferentes das sem fins lucrativos




O mundo desconhecido das ONGs

Indicada para o Ministério da Agricultura, a empresária Tereza Cristina problematizou recentemente os projetos coordenados pelas chamadas organizações não governamentais (ONGs). Enfatizou os altos valores dos repasses públicos para essas organizações, sugerindo que seu funcionamento espelharia verdadeiras “caixas pretas”. Sobretudo, inexistiriam avaliações sobre a sua real eficácia.
A abreviatura, primeiramente, precisa ser diferenciada das convencionais organizações sem fins lucrativos, como, por exemplo, as Santas Casas de Misericórdia, ou outras formas organizacionais que não visam o lucro privado. Quando se mencionam as ONGs, quase sempre está se referindo a um fenômeno que explodiu, em especial, a partir da década de 1980.
Sua emergência se associa diretamente aos processos de democratização, pois esses novos regimes políticos descentralizaram inúmeras esferas de ação governamental, antes nas mãos de um poder central. Ao fazê-lo, transferiram responsabilidades para uma nova esfera, as “organizações não estatais de natureza pública” –como as ONGs. Por esse ângulo, seriam uma face essencialmente democrática da sociedade civil, pois ampliariam os processos decisórios.
Contudo, a expansão das ONGs tem outra face, problemática e até sombria, a qual se aprofundou, particularmente, na década de 1990. Aqueles foram anos desafiadores para os profissionais de diferentes áreas ocupacionais, em conjunturas de desemprego agudo.
Sem alternativas, esses técnicos pressionaram seus governos para obter transferências de fundos, em nome de projetos “sociais” nos mais variados campos de trabalho. Para tanto, usando argumentos razoáveis, como a ação mais ágil e menos custosa, e também maior flexibilidade e eficiência operacional, contornando a lentidão usual dos serviços estatais.
Com o aprofundamento neoliberal daquele período, esses foram argumentos que se impuseram até com facilidade e, por isso, a década ficou registrada na literatura como sendo os anos das ONGs, as quais se multiplicaram exponencialmente. Beneficiárias de recursos públicos, mas não sendo estatais, mantiveram-se à margem dos controles dos governos.
Em decorrência, foi sendo alimentada a imagem de serem herméticas e sem responsabilização, pois sua transparência se tornou rasa e insuficiente. A controvérsia acentuou-se, em particular, em função dos altos valores financeiros aplicados em distintos âmbitos da vida social.
São inúmeros os ângulos da discussão pública que deve ser realizada sobre tais organizações. Três exemplos diferentes entre si ilustram a necessidade de maior conhecimento a respeito. O primeiro deles é curiosíssimo e se refere ao financiamento de um grande número de ONGs pela Fundação Interamericana, do Congresso dos Estados Unidos, especialmente na década de 1990.
Todas aquelas organizações eram situadas no campo petista e o fato está relatado no livro “Brasil, brasileiros. Por que somos assim?”, publicado neste ano (Editora Verbena, 136 páginas).  Ou seja, os contribuintes norte-americanos financiaram significativamente a ação de dezenas de militantes, abrigados em inúmeras ONGs de diferentes propósitos no Brasil.
O segundo exemplo se refere ao desenvolvimento de uma variedade transgênica de feijão resistente a doença transmitida por um inseto, diminuindo o uso de inseticidas. Essa tecnologia tem sido fortemente demandada pelos produtores rurais, especialmente os pequenos e mais pobres.
Foi o resultado da melhor ciência da Embrapa, tendo passado por todos os rigorosos procedimentos da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), a qual aprovou o uso da nova variedade em setembro de 2011 –isso mesmo, sete anos atrás!
Estranhamente, um dos organismos que mais bombardeou a liberação dessa importante tecnologia 100% nacional foi o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), o qual, para surpresa geral, é abrigado na própria Presidência da República e tem como integrantes representantes de diversas ONGs e religiões (em um Estado laico!).
Como justificar que recursos públicos financiem atividades de pesquisa de alta complexidade, com reconhecimento internacional e que alçam o Brasil a patamares de excelência científica e, ao mesmo tempo, apoie ONGs que militam contra a modernização da nossa agricultura?
O terceiro exemplo se relaciona com o antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário, que irrigou generosamente inúmeras ONGs para, supostamente, “prestarem assistência técnica” a pequenos produtores do Nordeste brasileiro. Quantas dessas organizações seriam capazes de comprovar que, de fato, assim procederam?
O pesquisador Amilcar Baiardi (UFRB), ao analisar a pobreza rural do semiárido nordestino, concluiu que essas ONGs “vêm, há quase duas décadas, manipulando as populações envolvidas, criando falsas expectativas e, concomitantemente, constituindo laços de clientelismo que se assemelham a um novo ‘coronelismo’ (…) e com essa prática formam-se novos ‘grotões’ eleitorais”.
São apenas três exemplos, entre muitos outros que poderiam ser descritos, em diferentes contextos.
São processos e iniciativas, quase todos essencialmente políticos, distantes da concretização da expressão que emergiu na década de 1990 e que tanto prometia – a criação de esferas sociais intituladas de “públicas não estatais”, as quais iriam contornar as mazelas das estruturas governamentais e seus impedimentos burocráticos e corporativos.
Ao mesmo tempo, renovariam virtuosamente a ação pública através desses novos atores sociais. Contudo, vinte a trinta anos depois, as ONGs não corresponderam às promissoras promessas iniciais.
Urge, assim, pela exigência imperativa de promovermos o desenvolvimento econômico e social do país, em especial das regiões mais pobres, por meio da ação assertiva  do Estado, que a manifestação da Ministra logo se torne realidade e um exame cuidadoso, em conjunto com os órgãos de controle, seja rapidamente realizado.

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